terça-feira, 27 de abril de 2010

O Bigás

     As alterações climáticas são, hoje em dia, um dos maiores, se não mesmo o maior desafio da humanidade. Estas devem-se a causas naturais ou humanas. No entanto, a meu ver, não são mais do que o resultado do efeito “bola de neve” associado aos desperdícios (de recursos, de matérias-primas) e ao agravante consumismo da sociedade, que resultam num aumento das emissões de Gases de Efeito de Estufa (GEE).

     A digestão anaeróbia é um processo de decomposição da matéria orgânica na ausência de oxigénio pela acção de bactérias (microrganismos acidogénicos e metanogénicos). Trata-se de um processo simples, que pode ocorrer naturalmente em quase todos os compostos orgânicos (ex: lago estagnado, em aterros, abaixo da camada de gelo na Sibéria, etc.). Esta é utilizada nos sistemas de tratamento de águas residuais, sendo o principal objectivo a estabilização de lamas primárias e secundárias. Os produtos derivados da digestão anaeróbia, ou seja, os resíduos gerados, são o biogás (constituído, essencialmente, por metano, CH4, e dióxido de carbono, CO2), uma pequena quantidade de biomassa bacteriana (lama digerida) e um efluente digerido. O efluente gerado pelo processo pode ser usado como fertilizante.

     A composição do biogás pode ser variada, dependendo sobretudo das características do resíduo e as condições de funcionamento do processo de digestão anaeróbia. Em geral, o biogás é constituído por 60% de CH4 e 40 % CO2. Outros gases como o azoto, (N2) e sulfureto de hidrogénio (H2S), estão também presentes na mistura, embora em quantidades muito reduzidas, ou até mesmo vestigiais.

     O processo de digestão anaérobia é descrito em três etapas, sendo que a primeira consiste na dissolução e hidrólise de moléculas orgânicas de grande dimensão, como os glúcidos, os prótidos e os lípidos, transformando-as em açúcares, aminoácidos, glicerol e ácidos gordos. Seguindo-se a fase acidogénica, nesta participam os microrganismos bacterianos anaeróbios, que transformam os produtos provenientes da primeira fase em compostos de baixo peso molecular e gases com poder corrosivo, como H2S, originado maus odores. Por último dá-se a metanogénese, onde os ácidos voláteis produzidos nas fases anteriores são degradados pela acção de bactérias metanogénicas, tendo como produto final o biogás.

     De um modo geral, o biogás assim produzido é simplesmente queimado, evitando o lançamento de metano para a atmosfera, onde é fortemente nocivo em termos de efeito de estufa, aproximadamente 21 vezes mais prejudicial que o CO2 (pois a força da ligação covalente carbono-hidrogénio do metano é mais forte que a do carbono-oxigénio do dióxido de carbono, possuindo um potencial de aquecimento extremamente elevado quando comparado com o CO2). No entanto, este deve ser considerado como um subproduto útil, susceptível de ser aproveitado energeticamente.

     O interesse do biogás como recurso energético deve-se ao seu principal constituinte, devido ao elevado poder calorífico. A queima deste combustível confere uma grande vantagem na produção combinada de energia térmica e energia eléctrica – co-geração. Um sistema de co-geração de 500 kW permite converter cerca de 33% da energia contida no biogás em energia eléctrica, e aproximadamente 60% é recuperado sob a forma de calor (vapor e água quente). As perdas associadas ao processo de go-geração são muito reduzidas, estas rodam, aproximadamente, 7%.

     Estima-se que, caso todos os resíduos orgânicos mundiais sofressem um processo de digestão anaeróbia, e fossem convertidos em biogás e, consequentemente, aproveitados como combustível, com uma eficiência de 50%, seria possível uma redução de cerca de 5% da energia fóssil.

     As principais áreas potenciais de produção de biogás, centram-se nos sectores industrial (efluentes da indústria alimentar e do papel), urbano (efluentes provenientes das Estações de Tratamento de Águas Residuais, ETAR’s, e aterros de RSU) e agrícola (agro-pecuário).

     Em Portugal o potencial de utilização desta técnica é considerável, visto existirem actualmente em funcionamento ETAR’s dotadas de digestores anaeróbios para tratamento de lamas, ainda sem aproveitamento do biogás produzido. Só para produção de energia eléctrica, estima-se que seja possível atingir uma potência, aproximada, de 100 MW a partir deste recurso renovável.

     De entre todas as formas de energia renovável, as que permitem valorizar os resíduos são as mais nobres, pois aliam à geração energética uma componente ambiental positiva, a redução dos resíduos gerados. O biogás originado a partir de efluentes agro-pecuários, agro-alimentares, ETAR’s e RSU pertence a este grupo.

      Vantagens da utilização da digestão anaeróbia para produção de biogás:
        i. Tratamento de efluentes:
           - É um processo natural para o tratamento de resíduos orgânicos;
           - Requer menos espaços que os aterros sanitários ou a compostagem;
           - Diminui o volume de resíduo a ser eliminado.
        ii. Fonte energética:
           - Fonte de energia renovável;
           - Produção de um combustível com elevada eficiência.
       iii. Protecção do Ambiente:
           - Maximiza os benefícios da reciclagem e reaproveitamento da matéria orgânica;
           - Produz como resíduo um biofertilizante, rico em nutrientes, livre de microrganismos patogénicos;
           - Reduz significativamente a quantidade de metano lançado para a atmosfera a partir de aterros.
       iv. Económica:
          - Apresenta, como qualquer energia renovável, um custo inicial mais elevado. No entanto, a médio/longo prazo esse investimento é compensado, visto que, reduz o consumo energético.

      Desvantagens:
        - Formação de sulfureto de hidrogénio (H2S), gás tóxico com cheiro desagradável;
        - Dependendo do tipo de resíduo, a quantidade de biogás será maior ou menor, o que implica uma possível etapa de tratamento do gás obtido, dependendo do uso dado ao mesmo;
        - Custo extra na manutenção devido a escolha adequada do material utilizado na construção do biodigestor, uma vez que, há formação de gases corrosivos.

     O H2S, resíduo que pode ser produzido no processo de digestão anaeróbia, dependendo do tipo de matéria orgânica utilizada na produção de biogás, que apresenta características adversas para o ambiente, pode ser aproveitado na indústria de cortumes, na fase de depilação (nesta etapa utiliza-se o enxofre para dissolver os pêlos). Em todo o caso, a melhor forma de utilização deste será convertê-lo em enxofre, podendo ser posteriormente utilizado na agricultura como nutriente.

     Em suma, o biogás, produzido a partir da digestão anaeróbia de resíduos orgânicos, pode ser utilizado na geração de energia eléctrica, térmica e mecânica (como fertilizante), tratando-se assim, de uma energia verde, com o pro bono de redução dos resíduos gerados, considerando-os como subprodutos.



Fonte: http://www.inverter-china.com/blog/upload/biogas.gif

1 comentário:

Henrique Ribeiro disse...

Olá Marta

Post muito elucidativo sobre o biocombustível, muito bem complementado pelo vídeo colocado no "Resíduos".
Parabéns

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